O
marketing multinível (MMN) tem gerado grandes debates econômicos e
jurídicos. O MMN é um modelo comercial pelo qual uma empresa recruta
empreendedores independentes para operacionalizar a distribuição de seus
bens e/ou serviços, remunerados pela tanto por tais vendas quanto pelo
recrutamento de novos participantes (bônus ou comissionamento).
O MMN tem formatação própria e
distinta da prática da chamada pirâmide financeira, tida como ilícita.
Em virtude do uso de mecanismos semelhantes de construção de rede,
premiação de participantes, bonificações e utilização de sistema de
binário, verifica-se um limite muito estreito e nebuloso entre o lícito e
o ilícito nas diversas apresentações e modelos de MMN.
Acontecimentos de 2013 (casos
Telexfree, Blackdever, Multiclick, Priples, Bbom, Toyota Autocenter,
Mister Colibri, Nnex, dentre outros) criaram um cenário de tamanha
instabilidade a ponto de exigir uma reflexão aprofundada sobre essas
práticas e, mais ainda, resta clara a necessidade de uma regulação clara
para proteger as empresas do segmento e seus participantes e que, por
outro lado, defina corretamente quais os limites entre o lícito e o
delito.
Nos sistemas de vendas ao
consumidor temos basicamente dois sistemas de bonificação/compensação,
sendo um o Mononível, no qual o revendedor simplesmente compra o produto
e o revende com sua margem de lucro, não havendo pagamento feito pela
empresa representada nem a formação de rede pelos revendedores. O outro,
conhecido como Multinível, no qual, além da venda propriamente dita
(conceito de Mononível), a empresa representada paga uma remuneração ao
revendedor que efetuar indicação de outros revendedores, possibilitando
ao revendedor a criação de rede e bonificando-o sobre as vendas
realizadas por seus integrantes. Em ambos os casos, não existe relação
de emprego com as empresas de vendas diretas (representadas). Porém,
mesmo diante de um conceito já difundido mundialmente, o Brasil ainda
não possui um marco legal que estabeleça critérios claros e seguros para
os participantes das redes de MMN.
Dentro de tal realidade, uma
série de iniciativas legislativas surgiram. Lembramos que a Constituição
Federal assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica
(independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei), fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, respeitados, ainda, os princípios econômicos constitucionais
(art. 170).
O Projeto de Lei nº 6.667, de
2013, pretende regulamentar o marketing multinível e estabelecer normas
de proteção aos empreendedores. A justificativa aponta a necessidade de
disciplinar esse mercado, para coibir abusos e fraudes, oferecendo
segurança jurídica aos envolvidos. O destaque do PL é a obrigatoriedade
de apresentação de plano de viabilidade econômico-financeira endossado
por banco comercial, e a criação de um fundo garantidor composto pelo
aporte de 1% das receitas das empresas de MMN.
O PL nº 6.775, de 2013, por sua
vez, fixa requisitos para funcionamento das empresas brasileiras e
estrangeiras no território nacional, além de outras questões, como a
tipificação da pirâmide financeira e condutas equivalentes nas leis de
crimes contra a ordem econômica e contra o sistema financeiro nacional.
Em novembro, o Projeto foi apensado ao PL 6.667.
O PL nº 6.206 também de 2013,
acrescenta o § 2º ao art. 2º da Lei nº 1.521, de 1951, que altera
dispositivos da legislação sobre crimes contra a economia popular,
especificando que o MMN não é crime dessa natureza. O projeto aguarda
parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) e teve apensado, o
PL nº 6.731, de 2013, que acrescenta dispositivo à Lei nº 8.137/1990,
definindo como crime contra a ordem tributária e econômica a
participação em pirâmide financeira.
O PL nº 6.170, de 2013,
regulamenta as atividades de operador de MMN no Brasil. Esta proposição
está com tramitação ordinária, e desde setembro do ano passado foi
submetido a diversas Comissões da Câmara dos Deputados.
Lembramos que o Código Penal em
parte já oferece proteção aos participantes de operações comerciais
desta natureza, penalizando fraudes ou vantagens ilícitas (art. 171), o
que pode levar a incluir entre tais práticas os sistemas piramidais ou
correntes, se comprovado que o idealizador do negócio obteve vantagem
ilícita, em prejuízo alheio, nos termos da lei.
Questões envolvendo pirâmides
financeiras - atividade considerada crime contra a economia popular e
proibida no Brasil pela Lei nº 1.521/1951 - já foram objeto de dois
pontuais trabalhos de órgãos públicos brasileiros: Nota Técnica SEAE-MF
60, de 16/5/2013, que avalia as "pirâmides financeiras", com um paralelo
destas com o conhecido esquema de Ponzi e com o MMN; e ainda Nota
Técnica SNC-MF 116, de 3/7/2013, que analisa as operações financeiras
denominadas pirâmides financeiras, esquema de Ponzi, operações de
captação antecipada de poupança popular e o MMN.
A nosso ver, toda iniciativa de
regulamentação do MMN deve passar pela criação de conceitos claros e
concretos sobre o que é uma pirâmide financeira. Somente com os
conceitos determinados em lei é que será possível criar um marco
regulatório para o mercado, diferenciando uma coisa da outra. Normatizar
unicamente o MMN não resolve definitivamente a questão.
Aproveitando uma contribuição da
legislação que rege as empresas de assistência à saúde, um instituto
bastante valoroso para garantir economicamente o mercado de MMN pode ser
a determinação de uma margem de solvência, com a empresa devendo
comprovar periodicamente ter mecanismos financeiros e patrimoniais de
adimplir suas obrigações perante terceiros, em especial seus associados.
Luís Rodolfo Cruz e Creuz e
Gabriel Hernan Facal Villarreal são, respectivamente, mestre em relações
internacionais pelo Programa Santiago Dantas (Unesp/Unicamp/PUC-SP) e
mestre pelo programa de pós-graduação em Integração da América Latina da
Universidade de São Paulo; mestre em direito político e econômico pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócios de Creuz e Villarreal
Advogados.